Você Sabe O Que É Uma Dúvida Registral ?
Quando se fala sobre a “dúvida”, o pensamento logo nos remete a incerteza ou interrogação, ou seja, aquilo que é incerto.
Antes de aprofundar o assunto principal, vamos abrir um espaço para tratar de “segurança jurídica”, a base principiológica do Estado Democrático de Direito, enquanto sistema normativo para uma convivência sadia em determinada sociedade.
Para trazer luz ao assunto, o pensamento de José Afonso da Silva destaca que “a segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída” (“Comentário Contextual à Constituição” – 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 133).
Basicamente, podemos dizer que a segurança jurídica é a garantia dada aos indivíduos de que o seu patrimônio não será violado e nem sofrerá ataques violentos, cujo pacto social é o de que se uma propriedade particular for violada, o indivíduo irá recorrer ao Estado para ter proteção, fundamentado na legislação, e no caso da propriedade imobiliária, a certeza do registro público de imóveis.
Passado este ponto e voltando ao enfoque da dúvida registral (ou registrária), façamos a análise do caminho percorrido pelo direito para que um título de propriedade receba a chancela de certeza do Estado.
Hipoteticamente tome o exemplo a seguir:
1. Um jovem que alcança certa condição financeira e planejando investir para o futuro, resolve adquirir um lote-terreno para construir uma casa de acordo com suas expectativas e condições materiais.
2. Após pesquisas nas imediações e localidades pretendidas encontra um imóvel cuja propriedade pertence a um casal, que oferta a venda pelo preço de R$ 50.000,00.
3. Com as negociações acertadas sobre a compra e venda do imóvel, então foram ao cartório de notas formalizar o negócio, ali o Tabelião requisita a documentação completa para análise e posterior preparo da escritura de compra e venda, entre os documentos estava a necessidade das certidões atualizadas do casamento dos vendedores e da matrícula do imóvel.
4. Apresentados os documentos, o Tabelião constatou que os vendedores eram casados sob o regime da comunhão universal de bens e que a situação do direito de propriedade era regular, pertencendo legitimamente registrada sob a titularidade dos vendedores.
5. Na sequência, o Tabelião preparou a escritura e no ato de assinatura compareceu apenas o marido, um dos cônjuges para assinar, sem a presença da esposa para confirmar a venda do imóvel, entretanto, a situação prosseguiu, a escritura foi lavrada e entregue ao comprador sob a orientação do Tabelião de que “para ter validade jurídica, esta escritura precisa ser registrada no cartório de registro de imóveis.
6. O jovem comprador seguindo as orientações se dirige ao ofício registral e solicita no balcão o ingresso da escritura para análise e registro, mediante protocolo. Após 10 dias desse protocolo, o Registrador tendo feito a atenta análise (qualificação) da escritura, comunica ao comprador por meio de uma nota devolutiva, que não poderá registrar a escritura apresentada porque apenas um dos cônjuges vendedores confirmou a venda e que existe incerteza sobre o fato de o outro cônjuge concordar ou não com a venda do imóvel.
7. Insatisfeito com a negativa do Registrador, o comprador contratou um advogado para comparecer no cartório e questionar a exigência feita, o qual insistiu a pedido de seu cliente em levar a questão ao Juízo Corregedor mediante o procedimento de dúvida registrária. Diante da situação, o Oficial de Registro mesmo estando certo de sua exigência, encaminhou o procedimento de dúvida ao Juízo e notificou o advogado para acompanhar o procedimento administrativo e caso houvesse interesse, impugnar o caso em juízo.
8. O Advogado por opção técnica, após ouvir seu cliente, preferiu não impugnar, o Ministério Público se manifestou contra o registro e o Juiz Corregedor julgou a dúvida procedente, dando razão ao Oficial de Registro, determinando a retificação da escritura e o cancelamento do protocolo de registro.
Os casos de falta de outorga marital (marido) ou uxória (esposa) não é raro no quotidiano brasileiro, pelo contrário, são muitas as vezes em que se constata esta situação, principalmente em instrumentos particulares que alcançam o registro imobiliário, daí vem a importância de apresentá-lo para esclarecer tecnicamente a dúvida registrária no âmbito dos registros públicos.
Previsão Legal
O procedimento de dúvida está previsto na Lei de Registros Públicos (6.015/73), nos arts. 198 a 204, 207 e 296.
Dúvida Registral na Prática
A Dúvida decorre do juízo emitido pelo registrador no exercício de suas funções, impedindo a uma pretensão de registro, tratando-se de uma autêntica revisão hierárquica pelo Juiz, acerca da análise administrativa de impedimento criado pelas normas jurídicas e observado pelo registrador a uma pretensão de registro. A dúvida registral em termos simples se identifica assim – prenotado o título (escritura/contrato/etc.) para inscrição no Registro de Imóveis, incumbe ao Oficial de Registro de Imóveis verificar a sua legalidade e se dela duvidasse, poderia o Oficial recusar o registro desse título duvidoso, informando a dúvida que achou através de uma nota devolutiva para que se possa esclarecer a dúvida ou corrigir o título, ou seja, em suma significa dizer que “o título que pretende alcançar a certeza do registro de propriedade, carece de segurança jurídica.
Importante considerar que a dúvida registral é um mecanismo valioso para o esclarecimento de qualquer imprecisão quanto aos atos que são levados a registro público, e que retrata mais um aspecto de segurança jurídica quanto a certeza, ainda que relativa, dos registros e sobretudo no que toca ao direito de propriedade.
Na hipótese apresentada, a prudência do registrador garantiu a segurança jurídica daquele negócio imobiliário de compra e venda, de modo que ambos os cônjuges compareçam no negócio confirmando a venda. Imagine o leitor um resultado contrário, de modo que a escritura fosse registrada na forma como foi apresentada no Cartório de Registro de Imóveis e posteriormente o cônjuge que não assinou a escritura se insurgisse reivindicando seu direito e atacando a validade jurídica de um direito já registrado. Certamente iria “por em xeque” a segurança jurídica da transmissão imobiliária, ameaçando o investimento feito pelo comprador do imóvel.
Deixo aqui algumas nuances do procedimento de dúvida no registro de imóveis, e recomendo ao jurista que tenha consigo a ideia de que “suscitar a dúvida” não é prejudicial para o interessado no registro de um título, mas sim uma proteção jurídica e esclarecimento do direito sobre o qual se tem dúvida.
RESPOSTAS PRÁTICAS
Para Complementar a Leitura, clique no link abaixo, para consultar respostas práticas sobre perguntas comuns do procedimento de dúvida.
https://juscompany.com.br/respostas-praticas-sobre-a-duvida-registraria/
Este artigo foi produzido pelo Advogado Renan Laurentino, especialista em direito privado, graduado em ciências jurídicas, pós-graduado em direito civil, pós graduando em direito notarial e registral e gestor de patrimônio da Arquidiocese de Brasília.
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